Garrafa fora do barquinho

Nasci aqui. Nessa garrafa. Dentro desse barquinho. Através do vidro que limita minha liberdade, eu posso ver tudo. Todas as coisas. Tudo menos o que eu sou. Tudo menos o que me tornei. Às vezes eu desejo que esta imensidão de vidro transparente se torne espelhada. O que eu me tornei?
Não sei se nasci mesmo aqui. Talvez eu tenha entrado, e já não sei como sair. Já vi muita admiração em torno de mim e do artesanato que me cerca. Perguntam como isso foi construído aqui dentro. Será que o artista constrói o barco com pequenos palitinhos dentro da garrafa? Será que a garrafa é feita por cima da pequena embarcação já pronta? Por que isso interessa? O barco está pronto. Não é isso que vocês queriam?
        Joguem esta garrafa no mar. Ela vai se encher de água e afundar. Mesmo que tenha um barco dentro dela. Mesmo que tenha uma pessoa dentro dela. Perdida e observadora, que não faz ideia de como sair desta bela armadilha. Quebrem esta garrafa, já que eu não consigo. Não há nada aqui além de truques baratos e mão de obra preguiçosa. No fundo vocês sabem, e é por isso que não pagam nem um tostão pra ver o que tem dentro.

        Eu não nasci aqui.

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